Mulheres mudam de nomes todos os dias
Ronit
- Título original: Disobedience
- Data de lançamento: 21 de junho de 2018
- Diretor: Sebastián Lelio
- Diretor de Fotografia:
- Elenco: Rachel Weisz, Rachel McAdams, Alessandro Nivola
- Sinopse: Ronit precisa voltar para sua cidade natal após a morte de seu pai, um rabino. Uma vez de volta, ela recorda a paixão proibida pela melhor amiga de infância, atualmente casada com seu primo, e as duas exploram os limites da fé e sexualidade.
Desobediência abre com o súbito falecimento do rabino Rav Kruschka, que é alguém extremamente respeitado em sua comunidade, durante um sermão numa sinagoga de Londres sobre a eterna escolha dos seres humanos, a santidade dos anjos e as tentações. Depois conhecemos Ronit, sua filha, que é fotógrafa em Nova Iorque e recebe a triste notícia da morte de seu pai. Sua primeira reação, para aliviar a dor, é se jogar às tentações: álcool, sexo casual e distrações como patinar no gelo.
Eu confesso que não gostei, achei bobo, e vai ao encontro do insistente clichê de filmes adolescentes onde seus personagens não sabem como lidar com as emoções e cometem atos impulsivos e desastrosos. Não gostei.
Na próxima cena ela já está dentro de um avião, de volta a cidade natal e onde seu pai ainda vivia (O que deveria ser a reação instintiva de todo filho que sabe da morte do pai).
Ao chegar lá, ela é recebida por Dovid, que recua de um abraço. Notamos um certo estranhamento por parte dos convidados, suas posturas e gestos são de evidente distanciamento, inclusive daqueles que eram seus íntimos: Dovid e Esti, que eram seus melhores amigos. Nessa cena na cozinha, o diretor Sebastian Lelio e o Design de Produção são eficazes ao posicionar os 3 personagens separados pela mesa, uma representação gráfica das barreiras que, agora, os cercam. Após 15 minutos de conversa entre eles temos a pista de que algo deu bem errado no passado e pouco se ouviu falar sobre Ronit. Aqui já sabemos também que tipo de comunidade Ronit está revisitando: um local de muita tradição, religioso, de judeus ortodoxos. Não fosse o suficiente a recepção, o figurino de Ronit é muito cosmopolita em comparação a Esti, por exemplo: couro, cabelos expostos e esvoaçantes. além disso, ela fuma. Em tempo real sabemos o que esperar de Desobediência: só tensão, só climão e ansiedade rolando solta!
A moça se sente desconfortável, mas concorda em ficar na casa dos amigos e eles dizem que são muito felizes casados, embora não seja essa atmosfera que tenhamos visto e esse beijo de Esti, pra mim, foi um esforço em validar esta declaração.
O trabalho de Direção de Fotografia foi realizado por Danny Cohen, mesmo de “Garota Dinamarquesa” e “O Quarto de Jack”. Gosto muito dessa cena quando Ronit vai visitar ao cemitério pois o plano aberto e ela posicionada em um lado da tela marca a distância entre pai e filha, vejam como o todo é maior do que a personagem.
Ela não ficou sabendo das condições de saúde do pai, uma reportagem de jornal informa que Ravi morreu sem deixar herdeiros e Dovid era seu preferido a sucessão, tratado como um filho.
Até este momento, podemos notar uma certa predominância de tons acinzentados, azuis estonados e preto em “Desobediência”, cores fechadas, a iluminação é suave, mas um tanto quanto gélida e melancólica ao mesmo tempo. A Londres retratada por Cohen é assim: fria e distante. Essa paleta de cores vem para decorar esse sentimento que Lelio expõe desde as primeiras cenas e que segue até o fim do longa.
Nessa cena, o enquadramento de Dovid também é muito peculiar pois temos a visão dos rabinos de cima para baixo, colocando-o em uma posição inferior, temos a escada que forma um coração e depois o vemos atrás de barras. Uma reflexão para sua posição no casamento onde ele se encontra numa estrutura fechada em função da religião, porém sem um sentimento verdadeiro por parte de sua esposa. Ele está inferior dentro do relacionamento. Isso vai ser confirmado na cena seguinte onde o sexo tem dia e hora marcada, as reações de Esti são premeditadas e mecânicas.
Durante o jantar de Shabat, Ronit cria um climão com sua conversa feminista em extrema oposição aos ideais da comunidade onde nasceu, haja visto os rituais das cenas anteriores além dos dizeres e cobranças da família. Ali temos inúmeras trocas de olhares entre o trio: Dovid tentando apaziguar os ânimos, Esti de alguma forma concordando com Ronit e esta sem jeito de como sair da situação criada por ela mesma. Do meu ponto de vista, aqui esteve um dos melhores diálogos do filme, pois, no minha percepção de mulher, há uma critica ao modo como este grupo ainda trata suas mulheres.
Nas cenas seguintes, acompanhamos Ronit até a sua casa de infância e é quando temos o uso da trilha sonora como narrativa. Ela liga o rádio e sintoniza na música “Lovesong” do grupo The Cure; parece que a trilha resgata memórias da juventude de ambas, o que culmina no impulsivo beijo entre as moças. Os closes seguintes são repletos de tensão sexual, intimidade e nós que ainda estamos conhecendo e tentando entender Esti, assistimos a um orgasmo seu quando ela aceita um trago do cigarro de Ronit; ela parece ter se abandonado as tensões e amarras naquele momento, está mais relaxada.
Após este diálogo e alguns inconvenientes, as moças escapam para o centro de Londres e vivem uma tarde quente, de muita paixão e temos aqui uma sincera Esti; literalmente despida da crença e convenções que lhe foram impostas, livre. Embora seja evidente a diferença do que acontece em seu quarto semanalmente não sentimos isso através da paleta de cores adotada, acho que faltou um pouco de vermelho talvez para que o tom fosse um pouco mais quente nesse momento. A temperatura continuou fria durante toda a cena do hotel, talvez por finalmente entendermos que seus sentimentos e vontades reais são angustiados e reprimidos desde a “fuga” de Ronit.
Gosto das cenas finais, quando Dovid irá assumir a posição de Rav Krushka na comunidade. Acho que os enquadramentos são muito bons e nos transportam pra dentro de seus sentimentos, de toda aquela confusão e desorientação, os closes são bem sufocantes e esta imagem por trás do vidro me faz pensar que, sua imagem, naquela ocasião, está embaçada pois seu ambiente familiar foi totalmente desestabilizado com a chegada de Ronit.
Seu discurso final dá continuidade a mesma fala de Rav no início do longa. Como conclusão da cena, temos um raro momento de carinho entre os três personagens, uma possível celebração de liberdade, um alívio.
Entretanto o final deixou esse grito de independência preso dentro do espectador e acho que todo esse azul aí foi um presságio do que teríamos no desfecho da obra.
Fui assistir no cinema e não me arrependi, acho que valeu a pena, é um belo filme e expõe o amor homossexual de uma forma madura e coerente. Não posso afirmar que é a obra atual que representa a bandeira lésbica ou que fala por este grupo quando simplesmente não me insiro nesta condição, mas não achei caricaturado e vi que foi tratado de forma sensível sem ser leve demais.