- Título original: Nelyubov
- Data de lançamento: 1 de Junho de 2017
- Diretor: Andrey Zvyagintsev
- Diretor de Fotografia: Mikhail Krichman
- Elenco: Maryana Spivak, Aleksey Rozin, Matvey Novikov
- Sinopse: Um casal russo enfrenta um divórcio brutal. Ambos têm novos parceiros e querem recomeçar, até que seu filho de 12 anos desaparece depois de testemunhar uma das suas brigas.
A HBO está com uma programação especial de filmes premiados em Cannes, neste último fim de semana assisti esse filme que em 2018 levou o prêmio do júri. O filme é de produção russa, dirigido por Andrey Zvyagintsev, mesmo diretor de “Leviatã” (2014) e “O Retorno” (2003). Confesso que não assisti seus outros filmes mas já adicionei esses outros títulos na minha lista porque adorei “Sem Amor”. Me lembro que já assisti há algum tempo, no ano passado, fazendo uma maratona de filmes pro Oscar 2018 (aquela premiação que eu amo odiar! 😊), onde o longa concorreu pra melhor filme estrangeiro. Não levou o prêmio, perdendo para “O Insulto” que também é um filmaço, aliás, 2018 foi um ano de concorrência forte na categoria!
“Sem Amor” traz a história desse casal, Zhenya e Boris, que estão sob um divórcio conturbado, de muitas palavras duras e numa dessas discussões, o filho ouve que seus pais não se importam, não querem ficar com ele em função de seus interesses pessoais, ambos já estão refazendo suas vidas com outros companheiros. A cena onde o menino aparece ouvindo essa discussão é de despedaçar o coração 💔, é poderosa, diria que a mais impactante que assisti em 2018.
O menino que interpreta Alyosha, se chama Matvey Novikov, é simplesmente fantástico, a interpretação dele é cativante. Ele tem pouquíssimo tempo no filme e diálogos, mas consegue passar exatamente suas emoções, seu olhar é distante e muito triste.
Uma das reflexões que me veio a cabeça é que temos uma tendência em considerar maus tratos apenas os danos físicos causados a alguém, mas existem outras formas de maltratar. Como por exemplo, uma criança obesa é uma vítima de maus tratos, uma vez que seus pais são responsáveis pela alimentação. No caso do filme, depois que o menino desaparece, vem uma equipe voluntária pra ajudar nas buscas e o coordenador começa a fazer umas perguntas para os pais. A forma como eles respondem indica que não fazem a menor ideia de quem é o filho, do que gosta, quais são seus interesses e denuncia a maneira negligente com que o casal tratava sua existência.
A partir daí começamos a conhecer outros personagens e esses pais individualmente, quais eram suas expectativas de vida quando se casaram, seus sentimentos, frustrações e tudo que aconteceu até chegarem a esse ponto. Ambos estão tão imersos nos próprios problemas que durante a jornada de busca, chegamos nos esquecer de Alyosha. É mto cruel e pesado.
Zhenya que é a mãe, é linda, jovem, independente, mas é também amargurada, dura, traz consigo um ódio, parece incapaz de amar. Ela tem um novo namorado, um homem mais velho, que já tem uma filha e não há espaço para seu próprio filho nessa relação.
A situação de Boris é ainda um pouco mais complicada pois engravidou sua nova companheira e trabalha numa empresa onde o dono é religioso ortodoxo, então o divórcio é visto com maus olhos. Ele é uma pessoa bem fechada, não há um diálogo claro estabelecido com essa nova mulher, ele sequer conta sobre o desaparecimento do filho,
O filme tem um ritmo lento, um tom sério, mas considero um acerto do diretor para que pudessemos sentir claramente toda a frieza e distância que essas pessoas tinham com relação ao filho e entre eles mesmos.
Em duas cenas entendemos claramente os problemas e conflitos de Zhenya Em uma conversa com Anton, seu novo namorado, ela diz que conheceu o amor com ele, conta sobre o relacionamento com a mãe, que era muito rigorosa, austera e que nunca amou ninguém antes, nem mesmo seu filho. MAS… ele não retribui suas palavras românticas.
Mais a frente, em busca de Alyosha na casa de sua mãe, Zhenya é recebida debaixo de palavras ríspidas e grosseiras. E aí passamos a entender também o fato gerador do comportamento áspero e hostil de Zhenya. Ela cresceu sem amor.
Saindo da casa da mãe, ela tem uma discussão no carro com Boris onde diz que não queria ter o filho mas tinha medo do aborto, que acreditou nas promessas do marido de que a vida seria melhor, e dispara que só aceitou morar com ele porque queria se livrar da mãe, ela não para de falar e reclamar um minuto sequer! Zhenya repete o comportamento de sua progenitora.
Isso me fez refletir… será que toda mulher nasceu pra ser mãe?
Antes de qualquer coisa, este é um assunto de diversas vertentes e longe de mim estabelecer uma verdade imperativa.
Mas muito se fala que ser mãe é algo natural da mulher, que todas temos um instinto maternal. Eu discordo, mas mesmo que exista, ele não é uma particularidade da mulher ou da fêmea no reino animal. Atualmente existem pais que assumem as responsabilidades dos filhos tal qual as mães fazem, como é o caso dos casais homossexuais masculinos e do macho no reino animal. Houve um tempo, bem lá atrás, que as mulheres tinham cuidadoras, babás, amas de leite e consequentemente não eram as mulheres quem cuidavam de seus filhos e aquelas que não tinham esses benefícios, tinham filhos para ajudar no trabalho e no sustento da casa. A gente consegue perceber um pouco disso também através do cinema, em filmes como “Maria Antonieta”, por exemplo, onde quase não há cenas da moça cuidando de sua filha.
Em “Duas Rainhas”, Mary, personagem de Saoirse Ronan não é a responsável pelos cuidados com seu filho.
Sim, concordo que ela sofreu ao ter que abandonar o filho, mas ainda assim, ela fez.
Diferente de Bethy, interpretada por Sally Field em “Nunca Sem Minha Filha”. Ela jamais fugiria sem sua prole.
Então eu acho que não é toda mulher que tem esse instinto, sabe?!
Assim como Zhenya, existem muitas mulheres que se arrependem de ter filhos e até existe um estudo realizado por uma socióloga israelense, Orna Donath, onde ela entrevistou 23 mulheres que, embora amem seus filhos, dizem se arrepender da maternidade.
Sua tese relata que embora as mulheres sejam livres para optar, muitas se sentem pressionadas a ter filhos e posteriormente acabam se arrependendo. Acreditem, a socióloga sofreu uma surra de haters quando lançou seu estudo na Alemanha, o que pra em minha opinião é uma evidência de que ainda há sim muita cobrança para que as mulheres cumpram o que é visto com como um dever pela sociedade. Eu trouxe esse tema aqui para gente debater, falar sobre isso porque se há arrependimento é porque a maternidade não é a única forma de realização feminina. E nem é o que falta na vida daquelas que já tem realizações pessoais. Existe um mito em torno do ‘trazer uma vida ao mundo’, de que é algo mágico, que é na amamentação que o vínculo entre mãe e criança se fortalece e de que cada estágio do processo é uma experiência maravilhosa. Felizmente algumas mães hoje, são corajosas o suficiente para desmentir as propagandas publicitarias e postam nas redes sociais seus relatos verdadeiros da rotina de cuidar das crianças.
Temos um bom exemplo disso também, em “Tully”, um filme produzido e protagonizado por Charlize Theron onde ela interpreta uma mãe de 3 que acaba de ter mais um filho e acaba criando uma forte relação com sua babá.
Cores e Fotografia
“Sem Amor” é um filme melancólico, as cores são frias e duras. A iluminação é suave mas sempre transparecendo a frieza. A paleta de cores básica é composta por preto, branco, cinza e azul e sempre voltada para as tonalidades frias, pro cru. Existem momentos que parece ser preto e branco, nada tem vivacidade.
O diretor Andrey Zvyagintsev queria ter filmado em São Petersburgo pois é um sonho que ele tem de muito tempo e porque também, de maio a junho a cidade é branca, o que combinaria perfeitamente com esse longa. Porém, eles encontraram uma cidadezinha próxima a Moscou, chamada Shodnenskiy Kovsh que tem uma grande área de mata, similar a uma floresta mas também tem grandes edifícios, deixando um contraste interessante entre o campo e o urbano.
Embora exista toda essa área que poderia ser verde, a ausência da cor e nos raros momentos que aparece, o verde está pouco saturado, trazendo uma representação gráfica de que não há esperança para a família: não há esperança de encontrar Alyosha, nem de uma trégua entre o casal, nem mesmo de uma mudança em seus comportamentos para iniciarem novos relacionamentos. E pra mim, isso se confirma nas cenas finais que eu não vou contar aqui pra que vcs possam assistir!
Algumas cenas são bem interessantes como aquelas onde Zhenya e Boris aparecem perto de janelas ou com seus rostos encobertos por vidros. No post onde falo sobre “Encontros e Desencontros” de Sofia Coppola, eu expliquei o significado das janelas em sua obra, onde as protagonistas estão sempre olhando pra fora, em busca de liberdade. Zhenya e Boris têm um olhar vazio, eles não sabem em busca do quê estão, os vidros funcionam para evidenciar a dificuldade em se conectar com o mundo, com o outro, ao mesmo tempo que nós também não conseguimos essa conexão com eles. Isso também é evidenciado com as cenas no metrô e no elevador.
Eu assisti “Sem Amor” no cinema e paguei 20 reais o que considero uma pechincha pelo filme que é.
Atualmente ele está na programação da HBO, mas não achei no NOW nem no app da emissora.
Se vc não quiser esperar pela boa vontade da HBO, pode pagar R$ 18,90 no Youtube. Acredite, vale muito a pena! ⬇