Spencer aponta Diana como vítima9 min read

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Eu não ia escrever sobre “Spencer”, mas quanto mais penso no filme, menos gosto. Uma vez que ele é unanimidade entre críticos e cinéfilos, acho interessante trazer uma outra perspectiva.

Spencer situa 3 dias na vida da Princesa Diana, durante suas férias de Natal com a família real na fazenda Sandringham em Norfolk, Inglaterra, Logo depois, ela decide deixar seu casamento com o príncipe Charles. O título conta com a direção de Pablo Larraín (Ema, Jackie) e roteiro de Steven Knight (Calmaria, Millennium: A Garota na Teia de Aranha, Locke).

Primeiramente, vou falar sobre alguns aspectos muito bons no filme, como por exemplo, os elementos visuais.

“Spencer” proporciona uma experiência audiovisual completa

Definitivamente, um filme dirigido por Pablo Larraín é garantia de capricho e deleite aos olhos. O cineasta sabe exatamente como recriar uma época com excelência. Aqui temos a fotografia de Claire Mathon com imagens granuladas, cores mais apagadas, com carga de cinza e marrons, assim como fotos antigas. Os close-ups em Kristen Stewart são bem vindos e nos aproximam dos sentimentos exacerbados de Diana e das sutis expressões faciais da atriz. Aliás, são essas sutilezas que nos levam diretamente às memorias das tantas fotos amplamente divulgadas da Princesa.

Nesse sentido, seria um pecado deixar de fora a direção de arte irretocável de Guy Hendrix Dyas. Todos os ambientes são milimetricamente recriados e não falta nada. Temos a nítida impressão de estar num palácio real e isso nos transporta pro clima austero e rigoroso dos protocolos da família mais famosa do mundo. A iluminação pontual também deixa no ar o clima de mistério em torno das tradições e costumes que, pra nós, podem ser absurdos quando revelados. A iluminação também aponta um possível desconforto que podemos ter com estes ambientes. Principalmente quando as cortinas dos aposentos de Diana são costuradas, impedindo que os paparazzi flagrem Vossa Alteza trocando de roupa. Afinal, adianta ter um quarto com janela se não podemos olhar por ela? Qual o sentido da janela se não temos luz natural?

As constantes trocas de roupa de Diana exibem o figurino deslumbrante desenhado por Jacqueline Durran (Adoráveis Mulheres, 1917, Anna Karenina)

Música cria atmosfera

Outro elemento igualmente importante nos filmes de Larraín é a música. Realizada por Jonny Greenwood, ela é sofisticada como um jazz de Miles Davis, mas sombria e pesada. Ela entrega suspense, mistério e em outros momentos desespero e caos. Esses sentimentos conduzem muito bem a atmosfera pesada, as emoções de Diana e a edição que dá ritmo ao filme.

Aliás, é por consequência da edição que acreditamos não existirem outros caminhos além do beco sem saída no qual Diana se encontra. A medida em que “Spencer” se desenvolve, Diana começa a ter alucinações, ver pessoas como Ana Bolena por exemplo. Aqui, pra mim, é onde Kristen Stewart sobe o tom um pouco demais. As visões da protagonista trazem questionamentos se tudo e todos que assistimos é, de fato, real naquele universo. Este é um artificio bastante instigante, mas não compro a ideia de que foi a família quem provocou isso em Diana. Em outras palavras, muitas das historias conhecidas sobre a Princesa são baseadas em narrativas ditas por ela própria, por divulgações e boatos. Tais fatos nunca foram confirmados pela família, pelos protagonistas da vida real (e jamais serão).

Meu desafio com “Spencer”

A partir deste momento começam minhas divergências com “Spencer” e você vai entender os motivos. Em primeiro lugar, Diana, enquanto personagem é alguém por quem não tenho empatia. Principalmente essa versão de Larraín. Na verdade, minha empatia foi mais com Charles, por quem lamentei ter ficado ao lado dela por tantos anos. Que mulher chata, egoísta, egocêntrica! Durante todo o filme vemos Diana como uma vítima da família. Mas quem estava descumprindo os acordos, costumes e tradições era ela. Em diversas ocasiões, vemos ela chegando pra um compromisso depois da Rainha. Ou seja, ela estava atrasada em relação a autoridade máxima de todo um reino! Por que ela deveria ter tratamento especial enquanto todos conseguem manter a ordem?

Em segundo lugar, do meu ponto de vista, esta é uma história onde não há inocentes. Fato de conhecimento de muitos é que a família Spencer era próxima do Palácio de Buckingham e com antecedentes integrantes da realeza. Ela não era alguém de fora. Há uma cena no filme onde ela própria afirma ser parente distante de Ana Bolena. Sendo assim, Diana casou sabendo dos protocolos rigorosos, da falta de liberdade, de tudo que teria de ceder para cumprir suas obrigações como membro da realeza britânica. Eu não vejo como a Rainha aprovaria uma futura integrante que não conhecesse o mínimo de suas atribuições. Além disso, caso desconhecesse, em meio a tantas regras, será mesmo que ninguém ensinaria?

Dessa forma, pra mim, é um desafio do tamanho do Reino Unido acreditar nas declarações de Meghan Markle em sua entrevista à Oprah. Especialmente quando ela diz não saber de seus deveres. Ou seja, num meio de autoritarismo, Meghan seria mesmo esse prato cheio para uma possível vergonha pública? Ainda mais por simples desconhecimento de postura? Difícil acreditar numa incoerência tão grande assim.

Falta de argumentos

Não tenho a pretensão de criar desculpas para a família real ou menos ainda fazer juízo de valor das tradições seculares que eles perpetuam. Mas existe uma aura de vitimismo em torno de Diana a qual não consigo ir ao encontro. Nesse sentido, o NY Post publicou em 2017 um artigo onde conta muito sobre Diana, incluindo a construção de um mito por profissionais talentosos de Relações Públicas. Ela mesma, nem sempre foi avessa aos ataques implacáveis de paparazzi. Pelo contrário, diversas atraiu seus olhares com quebras constantes de protocolo de vestuário, declarações falsas em entrevistas, mentindo sobre contribuições em autobiografias.

A história de uma mulher traída, deprimida, ofendida e reprimida não apenas pelo marido mas por toda uma família vende muito mais, causa comoção em toda uma sociedade. Soma-se ao fato de ela estar sempre com um olhar triste, de cabeça baixa e já ter amplamente divulgado uma narrativa unilateral a seu favor. Muitos esquecem os rumores de infidelidade sobre Diana.

Ter ciência destes fatos é justamente o que me distancia da obra, da personagem de Kristen Stewart. Do meio para o final, eu já estava exausta de ver suas caras e bocas, de sua postura vitimista, de sua mania de perseguição e de sua desobediência. O mesmo saco cheio que eu sentia ao ver suas fotos com cara de cachorro que caiu da mudança em revistas da época.
Simplesmente não consigo me compadecer, nem mesmo ter interesse por sua situação.

Em resumo, “Spencer” é mais um filme onde Lady Di está no lugar onde sempre esteve, fazendo mais do mesmo. A diferença está na forma e nos adornos de cada um dos diretores. Kristen Stewart merece atenção por sua atuação mas não salva a narrativa pobre de argumentos pra sua personagem.

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