“Uma Mulher Alta”: uma narrativa em cores8 min read

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melhores filmes 2020

Na lista dos assistidos de julho/20 e na lista de melhores de 2020 eu comentei que um dos melhores filmes daquele mês foi “Uma Mulher Alta”. Desde então estou devendo uma análise das cores do filme e meu veredito do porquê gostei tanto. A propósito, aproveito pra adicionar que esse filme deveria ter figurado entre os indicados a melhor filme internacional do Oscar/20, ok?!

Disponível para assistir no MUBI, o diretor Kantemir Balagov teve a preocupação em fazer um filme sobre um período terrível da história mundial de forma visual que atraísse os jovens também. Não a toa, sua grande fonte de inspiração foram pinturas holandesas e como resultado temos um filme extremamente artístico, embora seja duro de assistir.

Você pode conferir mais sobre como as obras de arte se relacionam com o filme no perfil do instagram Cinecor. Lá eles contam mais sobre este assunto!

Como Kantemir Balagov queria e como ficou no final

Como diretor de fotografia, temos Kseniya Sereda, uma jovem russa de apenas 26 anos. Ela captura os momentos mais íntimos entre Masha e Iya, de forma belíssima. Os enquadramentos são basicamente expostos em planos médios e close-up dos rostos das personagens. Dessa forma, temos dimensão de seus sentimentos de uma maneira bem próxima. Vejo como um acerto, uma vez que a narrativa é centrada não apenas no relacionamento delas como também em seus traumas e expectativas. Elas não verbalizam suas emoções e por consequência, assistimos tudo isso traduzido em expressões faciais e corporais.

Nesse sentido, Balagov também atribui às cores o estado mental destas mulheres e o faz de forma extremamente bela. Assim, ficam estabelecidas cores complementares: verde para Iya e vermelho para Masha. Apesar de estarem em lados opostos no círculo cromático, vejo que em diversos momentos elas andam de mãos dadas pois também possuem significados equivalentes. Podemos observar ambas através de um prisma de vida.

Além da dupla de cores principais que citei, observamos também a presença de laranja. Tal cor deriva da combinação de vermelho com amarelo, que podemos encontrar na iluminação de “Uma Mulher Alta”.
Dessa forma, temos um acorde cromático que representa a proximidade, calor e alegria que é basicamente o que Iya encontra com a chegada de Masha. É bom esclarecer que podemos ler o sentimento de alegria aqui associado à esperança de dias melhores. Entretanto, mais a frente vemos que não é o que acontece.

A paleta de cores e a luz em “Uma Mulher Alta”

Aos poucos vamos aprendendo sobre as duas personagens, entendendo suas personalidades e é aí que as cores tomam suas formas. Enquanto Masha é mais comunicativa, falante, passional, impulsiva, o que tem muito a ver com o calor expansivo do vermelho, Iya é mais sóbria, mais silenciosa, mais introvertida e observadora. Para explicar como este comportamento se relaciona ao verde, basta lembrar que ele é uma cor fria em função da mistura entre azul e amarelo.

As perspectivas do vermelho

Logo nas primeiras cenas de “Uma Mulher Alta”, vemos o menino Pashka usando um suéter vermelho.
Uma das primeiras associações que fazemos ao vermelho é o do sangue e, assim como Balagov gostaria, ele está intrínseco à vida.
Eva Heller disse em “A Psicologia das Cores”: “o sangue, em muitas culturas, é o domicílio da alma. Sacrifícios de sangue eram comuns em todas as religiões antigas. Para alegrar os deuses, não apenas se sacrificavam animais, oferecendo a eles o seu sangue; a oferta mais valiosa era a do sangue jovem de crianças”. Este trecho faz todo sentido dentro do contexto do filme pois ao mesmo tempo que o sangue significa vida, ele também pode significar a morte. Como por exemplo as transfusões de sangue que podem salvar vidas.
Ao contrário do verde que é cor da vida vegetal, o vermelho é a cor simbólica da vida animal.

Sendo assim, podemos encontrar uma outra associação para o vermelho que é do nascimento e que também se revelará no decorrer da obra. Assim como o filho, a cor de Masha também é o vermelho.
Aos poucos, vemos ela sendo tomada pelo verde de Iya, da esperança de ver uma nova vida se formando, a esperança de um renascimento, de outro filho.

Porém, do ponto de vista de Iya, Masha vestida em seu suéter vermelho, pode ser um objeto de desejo. Já sabemos das diversas atribuições que a cor tem em relação à paixão, amor, desejo e sedução. Em certos momentos tudo indica que essas mulheres poderiam ser mais do que apenas boas amigas apesar de o relacionamento ser um tanto quanto conturbado.

Olhares do verde

Por outro lado, as paredes do hospital são tão verdes quanto o suéter que Iya usa no início do filme. Neste momento, podemos associar o verde à saúde e à vida. A maioria dos hospitais e planos de saúde usam o verde na composição de suas logomarcas, bem como vemos ele presente nos aventais de enfermeiros. Não apenas Iya atua como enfermeira no hospital onde trabalha como também tem uma função de “curar” as pessoas. Ela ajuda soldados que querem ser eutanasiados. Apesar de ser um trabalho desafiador e triste de se fazer, também alivia as dores dessas pessoas marcadas pela guerra. Marcas que ficaram não só fisicamente, mas também psicologicamente.

Na cena final, elas se invertem, Iya de vermelho pela primeira vez enquanto Masha está de verde. “Uma Mulher Alta” termina envolto num sentimento de esperança e renascimento. Porém, podemos atribuir ao verde um sentimento de amor precoce, assim como as frutas que antes de amadurecer ficam verdes. As cenas anteriores ao final indicam que esta interpretação pode ser considerada também.

Definitivamente, Kantemir Balagov mereceu o prêmio Un Certain Regard que recebeu no Festival de Cannes em 2019. Além de muito talentoso como diretor, ele demonstrou saber como contar histórias cheias de camadas sobre mulheres com uma visão estética rica e sensível.

Fontes: Variety / Eva Heller – “A Psicologia das Cores

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