“Coisas Verdadeiras”, filme que será exibido na Mostra de SP deste ano, traz Ruth Wilson, estrela de “The Affair” (disponível na Netflix) como protagonista. Ela dá vida à Kate, uma mulher que leva uma vida apática e sem graça. Até o momento em que a oportunidade de sexo casual com um desconhecido por quem se sente atraída a desperta. Apaixonada, ela embarca numa aventura perigosa.
Baseado no livro “True Things About Me” de autoria de Deborah Kay Davies e com produção de Jude Law e da própria Ruth Wilson, o longa expõe de forma bem realista a vida de uma mulher já fragilizada que se expõe a situações totalmente inadequadas.
Kate é uma pessoa instável, insegura, dispersa, descomprometida, sem propósito. Irresponsável, ela também não dá valor ao trabalho burocrático que exerce, está sempre atrasada. Constantemente inventa desculpas para os erros que comete. Nesse meio tempo, ela conhece o Loiro,. Tom Burke vive um ex-presidiário que não é nomeado em momento algum e que vive de forma igualmente descompromissada.
Coisas Verdadeiras expõe sentimentos de vítimas de relacionamentos tóxicos
A partir de então, a pacata vida de Kate sofre uma reviravolta. Bem como ela deseja, anseia por emoções fortes, intensas, por atitudes fora do padrão. Eu sou daquelas pessoas que acredita que, de alguma forma, tudo que se vibra é o que se recebe de volta. Mas o que ela não contava era com suas expectativas reais e profundas: ter uma vida igual à de todo mundo. Embora ela refute com veemência quando sua amiga diz que Kate quer ser estável, quando sua mãe logo questiona se o novo namorado quer filhos; isso também é sua expectativa. Diante da incerteza da outra parte, ela se recusa a admitir suas vontades.
Ao passo que a história avança, que o relacionamento se desenrola, vamos Kate sendo levada para um caminho sombrio e de difícil percepção da realidade. Tal fato aumenta a tensão do longa e nos permite sentir as mesmas frustrações, decepções e o desespero da moça. Mesmo que pessoas tentem alerta-la dos perigos iminentes da relação e das adversidades que estão por vir, ela parece não saber como resolver seus problemas. E logo depois entendemos o estado depressivo em que Kate se encontra. Apesar de as pessoas terem consciência disto, ninguém aborda ela com o carinho e a compreensão que um momento como este exige. Talvez seja pelo fato das pessoas que estão a seu lado já estarem exaustas de seu comportamento autodestrutivo.
Se ela não recebe qualquer carinho por parte de amigos e familiares, menos ainda por parte do Loiro. Ele é um individuo absolutamente egoísta e que não nutre qualquer tipo de empatia ou interesse profundo por Kate. Este, sem dúvida, seria o pior parceiro que ela poderia encontrar.
A diretora Harry Wootliff (pois é, eu também achei que era um homem! 😂) traz um assunto complicado e profundo, sem deixar de fora os aspectos visuais e técnicos que fazem com que “Coisas Verdadeiras” seja bem harmônico.
A fotografia se divide em tons frios quando a protagonista encontra-se no trabalho, entediada, respondendo a questionamentos inconvenientes ou desinteressantes à ela. Enquanto temos tons mais quentes, solares em situações que ela está mais confortável ou na companhia do Loiro.
Me chamou atenção o uso de alguns planos detalhe para simbolizar o que viria a seguir. Como por exemplo um tomate com uma minhoca, plantas morrendo em seu apartamento, a falta de comida na geladeira, etc. Entretanto, nada foi mais simbólico do que uma tempestade que ocorre no ápice de sua tristeza.
Aspectos visuais recriam sensações
Destaco também uma cena em que a Direção de Fotografia de Ashley Connor (O Mau Exemplo de Cameron Post) brilha enormemente. Quando Kate é humilhada, ela chora e a câmera reproduz a mesma sensação que temos quando choramos. Ficamos com a vista turva, cheia de lágrimas, meio atordoados. Tudo isso acontece com uma visão subjetiva e há muito trabalho de movimentação de câmera e luzes.
Apenas para complementar, o aspecto da imagem é 1.37 : 1, nem tão pequeno como o formato quadrado e nem tão amplo como o wide. Na minha opinião, isso pode ser uma tentativa de nos dar uma sensação da visão restrita que Kate tem de si própria.
Não posso deixar de mencionar a trilha sonora usada no ultimo ato. Temos a peça Nocturne op.9 No.2 de Chopin em um momento lindo demais. Em contrapartida ao sentimento que temos da mesma peça em “O Pianista”, aqui o momento é de alegria e libertação. Belissimo!
Por fim, nenhum destes sentimentos e percepções seriam possíveis sem a interpretação de Ruth Wilson. Ela reina em “Coisas Verdadeiras”, absoluta! Ela faz um olhar por vezes perdido, em outras curioso, triste, melancólico. Assim como seus gestuais, são tão incríveis quanto seu tom de voz que pouco se altera durante todo o filme. Tá de parabéns!
Reforço que “Coisas Verdadeiras” está disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema de SP e é uma boa pedida pra quem quiser curtir o evento!