As cores poéticas de Retrato de uma Jovem em Chamas11 min read

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Elenco Retrato de uma jovem em chamas

Na semana passada publiquei pra vocês uma opinião sobre Retrato de uma Jovem em Chamas e hoje apresento aqui minha análise estética sobre este lindo filme.

Se minha opinião não foi o suficiente pra te fazer assistir, quem sabe essa análise não fará?! A equipe técnica é toda composta por mulheres, no elenco temos em quase sua totalidade, mulheres e o olhar é focado e voltado para mulheres.

Um dos pontos que o filme toca sutilmente é a observação, o olhar feminino. Do meu ponto de vista, um dos aspectos aos quais a observação está diretamente ligada é o desejo. E depois de pensar sobre o filme, foi esse o sentimento que ficou.

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Sob o mesmo ponto de vista, Celine Sciamma, diretora do longa, comenta ao site VOX, quando questionada sobre como foi filmar com pouca iluminação:

Queríamos devolver a essas mulheres do passado seus corações, seus desejos, o rubor nas bochechas devido ao sangue correndo”. É uma história de amor, claro, mas também é um filme sobre a ascensão do desejo. Queríamos olhar para o desejo, algo que raramente vemos por causa da forte convenção no cinema do amor à primeira vista. Sempre concordamos que você vai se apaixonar totalmente. E o filmar em digital era sobre esse rubor.

Além disso, a diretora fala também sobre o poder de ser observado:

Ser visto te deixa frágil. Talvez seja por isso que as pessoas tenham tanto medo. Talvez seja por isso que há tantas dinâmicas de poder em histórias de amor. É como a observação reversa, quando a pintora percebe que está sendo contemplada, Héloïse diz: “Bem, se você está olhando para mim, quem eu estou olhando?” Neste momento, vemos Marianne em formato wide, como uma foto, atrás da tela e ela parece tão frágil e solitária. Mas isso definitivamente a faz mudar e se tornar uma amante e uma artista melhores.

Como Céline Sciamma queria e como ficou no final

Quando Sciamma imaginou o vento do mar britânico que definiria o cenário e a atmosfera de “Retrato de uma dama em Chamas”, ela imaginou algo bem diferente do que conseguiu. A equipe foi em busca de um céu cinzento e encontrou muito ensolarado. Ela e sua DP, Claire Mathon entenderam então que o filme devia ser luminoso. O desafio para elas então, tornou-se trazer essa luz às cenas internas.

Enquanto o filme se ambienta na Bretanha, onde filmaram muitos externas, grande parte da ação se concentra dentro de um castelo do século XVIII. Eles encontraram o local perfeito: ao contrário de muitas outras propriedades pesquisadas para o filme, este castelo, localizado em um subúrbio parisiense, não havia sido restaurado ou usado para eventos luxuosos. Ele permaneceu intocado, com tinta, cor, textura e uma fachada desgastada, exatamente como a equipe queria.

A paleta de cores e a luz em “Retrato de Uma Jovem em Chamas

É um filme de retratos, de rostos. Segundo Mathon, era necessário apagar a aparência crua e contemporânea dos rostos para capturar as variações, o menor movimento, sua vermelhidão, sentir suas emoções sem nunca deixar a iluminação assumir o controle.

“A reprodução da cor da pele foi primordial no meu trabalho”, disse Mathon
O estudo de retratos foi um incentivo para a descoberta de suas próprias ferramentas e para a definição da paleta de cores. Baseada nos amarelos quentes das velas, nas cores naturais de pele e como pontos de contraste podemos citar o verde x vermelho dos vestidos. Entretanto, há suavidade, não temos sombras duras, um aspecto acetinado e não realista que deveria permanecer natural e extremamente vivo.

Aliás, as cores vivas foram um dos motivos para a escolha dos filtros, os quais aprimoram o ciano, trazendo equilíbrio com os vestidos vermelho e verde.

Além disso, a filmagem ocorreu em locais naturais. A luz natural proporciona uma mistura de cores e seus reflexos estão em constante mudança, mas neste caso era necessário manter a suavidade, a modelagem nos tons de pele – como se a luz emanasse de seus rostos.

Para a iluminação interna, foi necessário reproduzir a luz das velas e o frescor registrado do lado externo. Uma vez que a câmera e as lentes foram definidas, a Diretora de Fotografia teve a oportunidade de realizar testes de figurino (o vestido verde) com as velas e a fumaça e, então, selecionar os filtros, os materiais e as fontes de luz que seriam usados à noite.

Para as velas, não havia um objetivo de ser realista e nem de limitar-se a elas. Conforme disse anteriormente, foi mantida uma certa obscuridade para um ar de mistério. Apesar da evidente tonalidade quente, conservou-se também uma riqueza de cores, especialmente para a pintura e os tons de pele. Segundo a DP essa edição de cores à noite foi o mais difícil de se calibrar.



Movimentação de câmera

A encenação da diretora Céline Sciamma é muito precisa, muito coreografada. Era importante revelar a simplicidade do movimento, sua intimidade diária.

A fim de mostrar a troca de olhares e a força da atração entre as duas mulheres, elas foram levadas a criar muitas cenas com câmera subjetiva, que é quando vemos uma cena a partir do olhar do personagem. Houve a necessidade de encontrar a distância certa, a composição e o ritmo certos para dar vida a esta câmera que assiste, que examina.

O figurino do filme

Se há uma peça de figurino simbólica nesse filme, com certeza é o vestido verde. Verde que simboliza vida, natureza, renovação, energia. O vestido comunica muito nesse romance.

A estilista que assina o figurino é Dorothée Guiraud, que diz sempre se inspirar em pinturas, nas cores ricas, pigmentos e na luz incrível usadas para a criação de obras de arte.

Guiraud afirma que as roupas dessas mulheres seguiram a mesma orientação de Sciamma: uma estética clara e refinada, incorporando aspectos modernos. E nesse sentido, houve a introdução do cachecol, peça que ambas usavam nos passeios na praia, com o objetivo de cobrir os lábios delas de uma forma erótica.

Em contrapartida à vestimenta de Heloïse, o vestido de Marianne é vermelho. Cor que nos lembra a paixão, o amor, é intenso e marcante.

Porém, na nossa memória, fica o vestido verde.

As referências

Uma das referências citadas pela diretora do longa foi o grande sucesso “Titanic”.

De acordo com suas declarações, DiCaprio e Kate Winslet não eram celebridades – nem estrelas – não havia dinâmica de poder entre eles. Dessa forma, na cena de sexo, ela está no topo. Ele é quem está sendo totalmente frágil e inseguro. Celine acredita que foi um enorme sucesso, porque é uma história de amor com igualdade e com emancipação.
Entretanto, pessoalmente, não concordo com essa afirmação da diretora. Acho que politizando “Titanic” vemos que existem outros significados que vão além dessa perspectiva.

Porém, mais a frente, ela afirma que os filmes estão em diálogo. E concordo com o pensamento dela de que uma história de amor bem-sucedida não deve ser sobre possessão eterna, mas sobre emancipação. E “Titanic” é esse relato. A personagem de Kate Winslet perdeu esse amor, mas não foi o fim da história.

Com relação às Artes Plásticas, como o filme é relata a história de uma houve a necessidade de pesquisar pinturas do século XVIII. Porém as diretoras não procuravam referências diretas, nem imitaram um pintor em particular.

Por fim, o resultado da estética de Retrato de uma Jovem em Chamas é belíssimo, o filme tem todo esse ar muito poético, delicado, sensível e impactante ao mesmo tempo.
Uma vez que as cores são delicadas, suaves e ao mesmo tempo impactantes, acabamos tendo o mesmo sentimento em relação ao filme e à aproximação de Marianne e Heloïse.

Espero que vocês tenham gostado desse artigo e aqui embaixo tem outros “A Estética do Filme” para você curtir e compartilhar com seus amigos cinéfilos como nós!

Fontes: VOX / Indie Wire / FD Times / Vogue UK

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