“Another Round” recebeu, merecidamente uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Como disse o diretor Thomas Vinterberg, e eu concordo muito, o longa é uma celebração à vida. Além disso, o filme trabalha outros temas que são relevantes não apenas na sociedade dinamarquesa como também dialoga com os tempos atuais.
Em outras palavras, são as angústias e frustrações que acumulamos à medida que os planos não se concretizam, o peso das escolhas e o consumo de álcool como fuga.
Assim como diz a sinopse, um grupo de 4 amigos experimenta a teoria do psiquiatra norueguês Finn Skårderud que afirma que todos nascemos com um déficit de 0,05% de álcool no sangue. Se fizermos a reposição, como resultado, teremos uma vida mais equilibrada.
Angústias e frustrações
O personagem de Mads Mikkelsen, Martin, está passando por um momento ruim com a família. Ele simplesmente passa invisível por sua mulher e filhos, é alguém indiferente. Ademais, a carreira também vai mal, seus alunos não o respeitam, ele não tem mais prazer em lecionar. Nesse sentido, a fotografia de Sturla Brandth Grøvlen é precisa ao significar isto através dos ambientes. Tudo em volta de Martin é escuro, sem vida, com poucas cores, monocromático e sem graça. Faltava algo para colorir os dias dele.
Igualmente a seus amigos Tommy, Nicolaj e Peter. Cada um tem seus motivos para embarcar na jornada alcoólica que virá a seguir. Durante o jantar todos se mostram, de alguma forma insatisfeitos e frustrados com a vida que levam, relembram o passado entusiasmados. Dessa forma, fica claro que nada saiu como o planejado, de acordo com as expectativas que eles tinham individualmente.
O argumento do filme se baseia na teoria do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, considerado o pai do existencialismo. Seu texto diz que não há nenhuma predeterminação que defina o ser humano, sobre como cada um deva ser ou conduzir sua vida. Essa constatação nos gera angústia, por não sabermos quais caminhos escolher em nossa vida. O fato de não termos regras ou um caminho específico a seguir nos torna responsáveis por nossas escolhas. E nesse sentido, é quando escolhemos a nós mesmos. Cada oportunidade que selecionamos dizem respeito a nós mesmos, é algo pessoal e aí se determinam as liberdades. Ser livre é vivenciar esta tensão e cada escolha é uma renúncia, portanto, ser livre é abdicar. A cada momento que optamos por algo, outro caminho será deixado de lado.
Escapismo
Conforme disse lá em cima, esta é uma situação semelhante à nossa atualidade, durante a pandemia. Existem pesquisas que comprovam o aumento do consumo de álcool neste período. Principalmente por pessoas que sofrem de depressão e/ou transtornos psicológicos.
À medida que o álcool entra, as cores aparecem, a luz natural que Vinterberg tanto aprecia dá as caras. Assim como a mudança de atitude dos amigos. Todos eles entorpecidos, leves, soltos e descolados da dura realidade de suas vidas, e suas rotinas passam a prosperar.
Enquanto eles bebem para esquecer, como escape, os alunos bebem para celebrar. Essa é a grande ironia do longa de Thomas Vinterberg.
Ao mesmo tempo, não seria um filme de Thomas Vinterberg se tudo fosse somente bom. E eu vejo essa virada do filme como algo positivo. Porém não se trata de enaltecer o uso do álcool ou simplesmente condená-lo. O diretor trabalha o tema, expondo que há o lado bom e o ruim. Portanto, mostra um aspecto muito humano e realista de sua perspectiva. Consequentemente os personagens também se tornam mais empáticos e verdadeiros, suas atitudes são mais críveis. E da mesma forma, suas reações
O olhar de Thomas Vinterberg para “Another Round”
O motivo por que concordo que o filme é uma grande celebração à vida é justamente pelo fato dos personagens terem esse despertar. Eles perceberem que, apesar de não serem mais jovens eles ainda podem ter prazer em suas vidas. Ainda há o que realizar e pelo que ser reconhecido.
Embora tenha drama diferente de outros títulos do diretor, “Another Round” termina com uma mensagem otimista, é um filme com esperança. Vale ressaltar que existem momentos engraçados, mas sem exageros.
Ainda que “Another Round” tenha uma visão masculina, de meia idade, suas questões de frustrações x expectativas podem ser visitadas por qualquer um. Independente de gênero, nacionalidade ou idade. Eu demorei a escrever sobre ele, acho que porque assisti em dezembro e é um momento em que todos fazemos um balanço do ano. E acredito que 2020 não foi fácil pra ninguém, né?! Foram muitos dias com ele na cabeça refletindo sobre estes assuntos.
Thomas Vinterberg é um dos meus diretores favoritos, raramente me decepciona.