Fico muito feliz de estrear esta série bem no dia do meu aniversário! Um dos meus propósitos com o COLOR my days sempre foi o de popularizar o acesso ao cinema de alguma forma, trazer uma linguagem mais fácil para filmes alternativos, entre vários outros. “O Lado Pop do Cult” tem como principal objetivo traduzir algumas das camadas que esses filmes têm e trazê-las para sua realidade, mostrar que estes filmes têm muito mais a ver com você do que que qualquer outro. E pra inaugurar, vou te contar os “mistérios” de Frances Ha!
Visualmente, Frances Ha é o filme mais diferente de Noah Baumbach, porém todos aqueles outros aspectos que mencionei nos posts anteriores estão presentes aqui. Sem dúvida nenhuma!
De um ponto de vista superficial, podemos dizer que Frances Há é sobre como os relacionamentos, principalmente as amizades, mudam à medida que as pessoas passam da juventude para a vida adulta e como elas lidam com isso. Vemos isto sob o ponto de vista de Frances.
De um modo geral, eu gostei do filme, mas minha primeira reação a ele não foi das melhores. Devido a tudo que já vimos aqui sobre as personagens de Noah Baumbach, eu odiei Frances, tinha vontade de bater nela, ela é o tipo de pessoa de quem eu jamais seria amiga! Eu reafirmo até hoje: jamais manteria amizade com alguém como ela. Mas, depois de um tempo, depois de repensar o filme e enxergar além do óbvio, vi muita qualidade no que o diretor tenta nos mostrar.
Hoje, vejo “Frances Ha” como uma metáfora para um coração partido, é um romance sem ar de romance, sem muito drama. Descreve de forma leve, mas sem futilidade, como levar a vida adiante, sem pessimismo, mesmo decepcionado e magoado.
Acredito que todo mundo já passou por isso em algum momento da vida: ter que se separar de um amigo muito querido. No caso de Frances, ela tem uma melhor amiga, Sophie, de quem ela é muito próxima, íntima. Elas fazem tudo juntas, inclusive planos para o futuro, se conhecem melhor do que elas próprias.
Nesse aspecto, o que é incrível aqui é que mesmo em meio a tanto falatório, tanto diálogo, podemos ver a sensibilidade da câmera do Diretor de Fotografia Sam Levy captando as emoções e anseios de Frances, lendo suas percepções.
Enquanto as amigas são muito próximas encontram-se sempre no mesmo quadrado da regra dos terços, estão enquadradas juntas na maior parte do tempo.
Tudo muda para Frances quando Sophie resolve se mudar para um bairro melhor, onde elas sonharam, juntas, em viver um dia.
A distância entre elas, é que Sophie estava mais adiantada nas conquistas, mais à frente em termos de maturidade, suas ambições são outras; enquanto Frances ainda estava nos primeiros passos de seus objetivos.
A imaturidade de Frances, tema central do filme, se coloca em suas reações. Ela não consegue perceber que Sophie desejava, apenas, mais espaço naquela relação, queria pensar sozinha, ter outras experiencias, conhecer pessoas diferentes, outros lugares e ter alguma independência. – Qualquer semelhança com casamentos é mera coincidência. – Vejo que isso são fundamentos de qualquer relação: quando não se têm os mesmos objetivos, dificilmente se consegue manter uma relação tão íntima.
Com isso elas se afastam e Frances deixa de acompanhar os feitos e realizações de Sophie. A relação torna-se distante, estranha e sem a habitual previsibilidade que havia entre as duas.
Essa cena é bem interessante e mostra que composição de cena também tem simbologia: elas já não dividem mais o mesmo espaço, mas combinam de passar o dia juntas. Quando Sophie diz que não poderá ficar até a noite, Frances está de cabeça pra baixo e se surpreende. A amiga diz que havia deixado por escrito, mas ela não se recorda. Estar de ponta-cabeça é um reflexo de seu interior e o esquecimento também pode nos trazer uma leitura de que ela só se lembra do que é interessante pra si.
Percebemos que a medida que a distância emocional aumenta, elas saem do enquadramento juntas e vemos cada uma de um lado ou elas, simplesmente, estão em quadros diferentes.
Algo que não mencionei, de propósito, no meu guia sobre Noah Baumbach é que em quase todos seus filmes existe alguém que tem uma profunda admiração por outra. Temos isso em “Mistress America”, “Os Meyerowitz”, em seu primeiro longa “A Lula e a Baleia”, até mesmo em “História de um Casamento” vemos isso quando a mãe de Nicole fala sobre Charlie. Quando centralizado nos protagonistas, como aqui em “Frances Ha”, vemos que existe um ponto onde há uma decepção.
Será que Noah quer nos dar uma lição? Será uma tentativa de nos dizer que ninguém é perfeito?
Como disse mais acima, este deve ser o filme mais discrepante da filmografia de Baumbach em termos estéticos pois ele é todo em preto e branco. Entretanto, temos a habitual movimentação de câmera, cenas externas, internas em apartamentos, etc.
Noah falou um pouco sobre sua ideia de fazer um filme em preto e branco:
Essa foi uma das minhas primeiras ideias. Eu senti que o preto e branco contrastaria e apoiaria o que era essencialmente uma história muito moderna e um personagem muito contemporâneo.
E também, havia algo sobre a personagem quando ela se desenvolveu, onde todas as minhas ideias visuais começaram a ir para um modo mais clássico de filmagem. Eu queria que parecesse elegante, bonito e épico às vezes, o preto e branco certamente fazia parte disso, e mais tarde a música. Havia algo sobre a intimidade da história que eu achava que deveria ser contada de uma maneira maior e mais ousada.
Quem já assistiu deve entender um pouco do que Noah quis dizer aqui. O filme é lindo, as cenas nas ruas de Nova Iorque e Paris são incrivelmente lindas, charmosas, o preto e branco com pouco granulado é simplesmente impecável.
“Frances Ha” foi seu primeiro trabalho realizado com câmeras digitais, na qual não se consegue fazer o preto e branco, somente depois da filmagem, na pós-produção.
Foram utilizadas câmeras Canon 5D, com uma equipe e equipamentos reduzidos, no estilo de produção da New Wave francesa.
Curiosamente, Sam Levy, diretor de fotografia do longa, iniciou sua carreira filmando em preto e branco em película e firmou sua educação em Fotografia num dos maiores institutos especializados nesse tipo de filmagem.
Sam Levy fala sobre a Canon 5D:
É uma câmera fotográfica e o vídeo foi adicionado como um recurso posteriormente – mas isso funcionou em nosso favor neste projeto, porque ela possui uma suavidade natural que trabalha bem para o preto e branco. Minha principal preocupação era que quaisquer imperfeições – qualquer aspecto da fotografia – não se tornasse uma distração para a história.
Durante a pós-produção, Baumbach e Levy trabalharam com o colorista Pascal Dangin a fim de refinar o visual do filme. A ideia era que o filme tivesse um brilho prateado. O domínio das cores de Pascal trouxe expôs esse prata de uma maneira bonita e de acordo com o gosto de Levy, que é fã de filmagens em preto e branco de 16 mm, ele diz que há um brilho prateado, como nos filmes clássicos da década de 1930.
Levy diz também que foi um privilégio fazer parte dessa experiencia e que adoraria fazer novamente, que poderia se perder naqueles tons, ele diz ainda que se sentiu conectado ao passado, aos grandes diretores de fotografia dos anos 30 e 40, que prata era uma palavra importante para Frances Ha, e parte dele poderia passar a vida trabalhando nesse tom prateado.
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